Páginas de um diário

15 de Maio de 2004,

Tenho pensado em pedir ajuda. Profissional. Não vejo saída. Penso que um médico ou um psicólogo poderá ajudar-me a resolver o meu problema. Não é normal sentir-me tão triste durante tanto tempo. Não é normal ter perdido o controlo desta maneira, não ser capaz de controlar as lágrimas, esteja num sítio público ou no meu quarto.Não é normal sentir este aperto no peito, não no sentido figurado. Não é normal que o meu coração bata, constantemente, tão depressa como se tivesse acabado de correr. E que esteja sempre a tremer, literalmente. E que não fale sobre mim com ninguém. Tenho de procurar ajuda. Ainda tenho o discernimento suficiente para perceber que preciso que me ajudem, de alguma forma, antes que me transforme noutra pessoa.
Nunca tinha sentido a solidão desta forma, tão profunda, quase preciosa. Tão contraditória. Escondo-me em mim mesma, depois de ter percebido que restei eu. Que o relógio não pára. Que o eléctrico não vai parar de andar, que o mundo não vai parar de girar. Que as pessoas não vão parar de viver. Dão umas palmadinhas nas costas da coitadinha e seguem com as suas vidas. E quando a monotonia as atinge, aí sim, fingem estar muito preocupados com a pobre rapariga que sofre. E, no auge, até choram com ela. Que se fodam as lágrimas de crocodilo!
A minha sinceridade obriga-me a dizer que estou sozinha como nunca estive. Que não há ninguém que me apoie. Porque todos têm a vida ocupada, cheia de afazeres. Têm vida. E deixaram de me ver, de perceber os meus sinais. Ninguém entende quando digo «oi, estás em casa hoje?» ou «precisava falar um bocadinho». Estou magoada bem fundo porque, apesar de sempre ter acreditado que eventualmente ficaria deprimida, sempre pensei que poderia contar com algumas pessoas. Mas não é o que está a acontecer. Estou numa fase bastante debilitante. Sinto-me muito mal. Sinto-me tão mal que me está a afectar fisicamente. Sinto-me tão mal, tão triste, tão abandonada por todos, tão incapaz de continuar sozinha...Eu só queria ser capaz de falar com alguém mas não consigo. Só queria um abraço mas todos pensam que estou óptima, para quê o abraço?


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Pensar sobre o suicídio é condenável. Mas será que não é legítimo? Estará errado? Não será uma espécie de eutanásia? Que direito têm as pessoas de decidir quando os outros devem morrer ou como devem viver as suas vidas? Assim como um doente acamado para o resto da vida não quer continuar a viver em sofrimento, também uma pessoa extremamente triste quer acabar com essa dor. E os comprimidos são apenas drogas que colocam o doente em transe, não acabam real e definitivamente com a dor. Porque é que é errado pensar na morte quando já se atingiu o fundo psicologicamente? Quando tudo fugiu do meu controlo?
Já havia estado triste anteriormente. Mas agora sinto-me diferente. Sem coragem de revelar a minha dor, que se mistura com raiva e desilusão.. Não falo com ninguém há muito tempo porque sinto que ninguém quer realmente saber. São apenas palavras. Ninguém repara. As pessoas são assim. Cada um por si. É triste, como eu.
Preciso de procurar ajuda médica. Porque a esse pago-lhe para me tratar e ele fá-lo-á porque lhe pago para isso. Não o fará por parecer bem fazê-lo. Estou doente. é a certeza que tenho.



14 de Julho de 2005,

Quero morrer. Fisicamente. Não aguento mais. Acho que estou louca. Que cheguei a um ponto em que já não depende de mim acabar com esta insanidade. Já não sei o que fazer; estou demasiado angustiada para pedir ajuda. Estou a apodrecer, já tenho vermes dentro de mim, a consumir o que resta. A minha cabeça já não aguenta. Já não sou coerente com as ideias lógicas que sempre tive sobre a vida. Estou a desfazer-me, demasiado concentrada na minha própria dor, na minha incapacidade para olhar os outros. Já não sei o que fazer. O que é que eu fiz para merecer isto? Terei sido muito má? Ou muito injusta? Alegre demais? Quando chega a noite fico realmente sozinha. Penso sobre tudo, talvez excessivamente. E acho que, para descrever aproximadamente a dor mental que sinto, só equiparando-a a levar um murro no estômago, com toda a força, depois um murro em cheio no peito e, seguidamente, com um tijolo na cabeça. E depois, voltar a levar sucessivos murros no peito e na cabeça, alternadamente, que me fazem ficar completamente zonza e baralhada.Tenho um medo enorme de me mostrar realmente, a quem quer que seja. Sinto que me estou a transformar num daqueles psicopatas que vemos nos filmes. Aqueles a quem ninguém entende, aos seus motivos e causas da sua loucura. Mas isto é demasiado desgastante. É como se um bichinho estivesse a devorar as minhas vísceras, enquanto eu estou deitada numa cama, amarrada. Acho que vou morrer sozinha, que vou acabar por sucumbir. Já não me conheço. Sou uma cínica. Estou sempre a rir!!! Que raio de louca é que sou afinal? Só a minha almofada é que conhece realmente a minha dor. Só ela entende e desculpa a minha loucura...só ela percebe que não há um motivo válido para que eu me sinta assim. Só ela é que sabe como me sinto sozinha mas que não quero estar com ninguém, ouvir ninguém, só o silêncio...Só ela sabe que, no fundo, só quero uma gota de felicidade, por mais falsa que seja. Que estou tão desiludida com tudo e todos, que só quero ser surpreendida uma única vez. Para que possa ter fé novamente em mim, na minha vida, no meu sorriso. Só ela é que me conhece e sabe que deixei de acreditar e de ter vontade, sede. Que estou bem abaixo do nível a que me julgam. Que já caí, que só me falta largar a corda. Falta-me apenas a coragem. Mas estou muito triste, muito mal, muito morta cá dentro. Ela sabe que é muito difícil viver assim, para mim. Sou uma falsa. E não o disfarço. Diariamente ponho o meu sorriso feliz, a minha energia contagiante, o meu jeito de banalisar tudo. E os tolos acreditam em mim, nesta farsa. Crêem que realmente sou assim. E permanecem iludidos, se não os elucidar... A mentira dói-me. Pesa muito. E desfaço-me, no fim. Confesso, no fim, a quem me conhece. Confesso que quero morrer. Porque me sinto terrivelmente acabada de tristeza e não sei mais o que fazer de mim.