Noite

Confidencio-te.
Que te espero, como quem aguarda pela noite, naturalmente. Mas eu sofro de insónias há tempo demais. E perco-me em ti, quando sinto que estás aqui e nem sequer existes.
Porque preciso de mais. De uma pausa no relógio. De um sinal cósmico de esperança, de verdade em mim, sobre ti. De credibilidade, de entrega total ao que existe, de facto, na tua essência. De noite, de ti.
Preciso de abrandar esta ilusão semelhante à realidade que tento viver. Os níveis de insanidade deliberada e estrategicamente controlados, com efeitos no meu ego, a partir do mesmo. Preciso de te dominar, e a toda a tua força suprema, essencial.
Conto-te a mesma história, outra vez. Uma história que não precisas que te conte, de tantas vezes que a presenciaste, que a ouviste e a embalaste. E tantas foram as vezes em que seguraste a minha mão, no teu silêncio mortal. Tantas foram as vezes em que me viste.
Suplico-te, contariamente ao que te digo, que me abandones da pior forma, que me deixes, que me fales e não me mates com essa voz muda. Mas permaneces, mesmo quando te rogo pragas e enlouqueço de súplica. Quando te imploro que cedas lugar ao sorriso aberto do Sol, da vida e de alguém que não sou eu. E tu sabes.
Procuro-te, depois de te ter expulsado violenta e radicalmente dos meus sonhos. Tento alcançar a paz, na tua pureza venenosa e sombria, e doentia, e assassina. E continuas, sempre, igual à tua imagem, sempre.
E tu sabes. Continuas aqui, nesta intensidade alucinante, olhas para mim e não dizes nada, porque a tua voz não se ouve assim. Sente-se, como uma presença.
E tu sabes.
Confidencio-te, mais uma vez. Que esta sou eu.